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Aleluias Pascais

 

Três Mulheres “chegam ao sepulcro. Está
silencioso como um segredo e entretanto, parece falar. Correm à cidade com a assombrosa notícia. É preciso contar, anunciar, gritar aos companheiros.”              
Vida de Cristo, Plínio Salgado

Estamos na Páscoa. A Quaresma passou, assinalada com alguns actos litúrgicos, celebrados pelos católicos, como preparação para a celebração do grandioso acontecimento: a Ressurreição de Cristo, depois de sofrer o martírio do Calvário – Sua Paixão e Morte. Ele, de facto, disse que havia de ressuscitar ao terceiro dia. O Filho do Homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, tem de ser morto e, ao terceiro, dia ressuscitar.” (Lucas 9, 22).

É esse acontecimento histórico que a Igreja celebra todos os anos, com mais ou menos esplendor litúrgico, consoante as disponibilidades eclesiásticas.

Antes do Vaticano II, cujo quinquagésimo aniversário está a celebrar-se, a liturgia da Igreja era mais profunda e exigente. E é dessa que recordo com certa saudade.

As Domingas que antecedem a Páscoa da Ressurreição eram tempos de luto e penitência. Os párocos começavam por organizar, anualmente, o chamado “roteiro paroquial”, ou seja o registo de todas as famílias, com a descrição do estado, profissão e idade de cada membro, anotando se era crismado e se cumprira, no ano, os preceitos de confissão e comunhão. O roteiro ou “Rol dos confessados no ano de 1886”, diz-nos que, nesse ano, a freguesia da Santíssima Trindade das Lajes do Pico – do Soldão às Terras, pois ainda não havia sido criada a paróquia de S. Bartolomeu – tinha 1142 indivíduos do sexo masculino e 159l do sexo feminino, 251 menores de sete anos do sexo masculino e 245 do sexo feminino. A população total era de 3.229 indivíduos. Nesse ano, como aliás se verifica, geralmente, nos demais, nenhum paroquiano deixou de cumprir os preceitos quaresmais (confissão e comunhão), o que não deixa de ser assombroso.

Para facilidade do serviço de confissões, a paróquia era dividida em “quartéis” diários, reunindo um grupo de famílias, segundo o número dos seus membros. Esse era um dia considerado “dia santo”, na família. Só se trabalhava o indispensável.

As semanas de Quaresma eram verdadeiros tempos de recolhimento e penitência. Os adultos trajavam, geralmente, de escuro. As crianças não brincavam com certas modalidades de jogos, principalmente o pião, que só era usado depois do sino da Igreja, em repique festivo, anunciar a Aleluia Pascal.

Durante a Quaresma assistia-se com maior assiduidade aos actos religiosos e, aos domingos à tarde, à Via-Sacra solenizada com cânticos apropriados.

Um dos antigos: “Recebei estes meus passos / Ó meu amável Jesus / Permiti que vos ajude / A levar a Vossa Cruz / E que por ela consiga / dos meus pecados perdão / a Vossa graça, Senhor / A eterna salvação.   /E depois deste desterro / Eu Vos vá ver, ó Jesus / No feliz Reino da Glória / Cercado da eterna luz.” Mas havia outros cânticos que todo o povo cantava com entusiasmo e unção.

À Semana Santa, como era designada, compareciam elementos de todas as famílias. Principalmente na Quinta-feira Santa, grupos de irmãos da Confraria do Santíssimo, erecta na Matriz, tinham a seu cuidado velar durante a noite o Santíssimo, na sua Capela privada; para o “Lava-pés” eram convidados doze indivíduos de idade avançada. Curiosamente, cada um levava um sobretudo por cima dos ombros. Nunca soube o motivo. Para os tornar mais velhos?

Na quinta-feira e sexta-feira realizavam-se, à noite, as Matinas, com grande solenidade. Eram executadas partituras clássicas com os músicos da capela local auxiliados pelos melhores cantores da Ilha. A concorrência era sempre notável em todas as celebrações.

A procissão do Senhor Morto da Sexta-feira fazia-se pelas ruas da vila, acompanhada pela Filarmónica local que executava algumas marchas fúnebres. Nos intervalos, uma menina seguida por três companheiras, cantava a “Verónica”. Depois o coro da Matriz entoava o “Miserere”. A Procissão da Ressurreição, que tinha lugar logo ao amanhecer, antes da Missa solene, igualmente, percorria as ruas do burgo enfeitadas com artísticos tapetes de flores e verduras. Nessa ocasião, a Filarmónica procurava estrear uma marcha nova e, na ida e vinda da Igreja, executava um novo e alegre passo-dobrado. À tarde cumprimentava os sócios e algumas individualidades. Era a vila em festa. Só depois as pessoas recolhiam a casa para o almoço e então partia-se o grande folar fresquinho, com um ovo cozido para cada membro da família. Uma tradição que, como outras, vai caindo em desuso.

No sábado, só após o anúncio da Ressurreição, era a ocasião dos adolescentes e jovens experimentarem os seus novos piões, numa luta renhida que atraía a curiosidade dos mais adiantados em idade. Costumes que igualmente deixaram de existir.

Lembrar a festa da Páscoa é trazer à memória dos mais idosos, uma época singular, vivida com piedade e respeito, sempre no propósito de recordar com sentimento e fé a Morte do Senhor Jesus que ao mundo veio para redimir a Humanidade da desobediência de nossos primeiros Pais – Adão e Eva. Vem nos livros históricos - A Bíblia - e ainda hoje ninguém se atreveu a duvidar da sua autenticidade.

Mas algo foi mudado pelas normas litúrgicas vindas do Concílio Vaticano II. Facilitou-se a vida mas isso não evitou que a prática religiosa viesse a cair quase no desconhecimento e ignorância da generalidade das pessoas.

“A presença de Jesus ressuscitado ainda perdura, e por isso, seríamos tentados a dizer que a sua Ascensão se não interrompeu; muitos meses depois dos discípulos terem visto desaparecer, cegava ele com a sua luz Saulo, seu inimigo, a quem aparecera e falava na estrada de Damasco.” 1.)

Boa e Santa Páscoa!


1.) François Mauriac, Vida de Jesus -Trad. de José Sarmento, 1937, pág.275

 

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